terça-feira, 9 de novembro de 2010

ARTE E MODA, ETERNO DIÁLOGO

Moda é arte?

Esta foi uma das primeiras perguntas que ouvi na faculdade e que realmente me deixou intrigada sobre o assunto. Muitas pessoas, na faculdade e até mesmo que trabalham na área respondem logo de cara: "claro que moda é arte!" Mas para entendermos, de fato, do que se trata cada um desses conceitos e poder consubstanciá-los, é preciso saber o que - exatamente - cada um deles significa.

Quando discutimos sobre arte e moda, é difícil pensar na existência de um termo sem o outro, principalmente nos dias de hoje, onde a moda se confunde a todo momento não só como manifestação social mas também como representação daquilo que sentimos ou daquilo que somos.

A arte pode ser definida como: "uma forma do ser humano expressar suas emoções, sua cultura, sua história através de valores estéticos, como beleza, harmonia, equilíbrio. Podendo ser representada de várias formas, sendo elas a música, esculturas, pintura,  cinema, dança, entre outras." De maneira geral, podemos classificar arte como uma atividade que supõe a criação de sensações ou de sentimentos de caráter estético, podendo suscitar no espectador o desejo de prolongamento ou renovação; feita por artistas a partir de percepção, emoções e idéias, com o objetivo de estimular essas instâncias de consciência em um ou mais espectadores, dando um significado único e diferente para cada obra de arte.

Intrinsecamente, a definição de arte varia de acordo com a época e a cultura. Ernst Gombrich, historiador de arte, afirmou que ‘nada existe realmente a que se possa dar o nome de arte’. A arte é um fenômeno cultural. Regras absolutas sobre arte não sobrevivem ao tempo, mas em cada época, diferentes grupos (ou cada indivíduo) escolhem como devem compreender esse fenômeno. A arte pode ser sinônimo de beleza ou de uma beleza transcendente. Dessa forma, o termo passa a ter um caráter subjetivo, onde qualquer coisa pode ser chamado de arte, desde que alguém a considere assim.

O que devemos lembrar é que a arte não possui utilidade no sentido pragmatista e imediatista de servir para um fim além dele mesmo. Mas isso não quer dizer que a arte não tenha função. A arte possui a função transcendente, ou seja, manchas de tinta sobre uma tela ou palavras escritas sobre um papel simbolizam estados de consciência humana, abrangendo percepção, emoção e razão (segundo Charles S. Pierce, fundador da semiótica). Essa seria então, a principal função da arte.

A arte pode trazer vestígios sobre a vida, a história e os costumes de uma sociedade, inclusive dos povos e nações já extintos. Conhecemos várias civilizações por meio de sua arte, como a egípcia, a grega antiga e muitas outras. Como qualquer outra manifestação cultural, pode ser utilizada para a coesão social, reafirmando valores, ou os criticando. Assim, a arte é utilizada como instrumento de moralização, doutrinação política e ideológica, bem como ferramenta na educação em vários campos do conhecimento.

Poderíamos então, talvez definir arte como a transformação da realidade em sentimentos. Sendo assim, poderíamos considerar que toda pessoa que coloca sentimento em suas tarefas, está sendo artista. Dessa maneira, embora o profissional de moda utilize de muitos recursos e ferramentas artísticas para produzir e compor o seu trabalho, especialmente o desenho, não podemos afirmar que o profissional de moda seja um artista literalmente, ou seja, na verdadeira acepção da palavra.

De acordo com a concepção tradicional e rigorosa de arte, nem o mais dedicado dos profissionais poderia ser considerado um ‘artista’. Afinal nenhum profissional está autorizado a surpreender e criar algo novo e inédito. Quando alguém contrata um profissional qualquer, espera que ele faça exatamente aquilo que o cliente solicitar. Diferentemente de um artista profissional, o qual o que interessa é justamente a sua capacidade de surpreender e tocar a alma.

O estilista está ali para criar sim, criar aquilo que o público pede ou necessita.  A moda, antes de qualquer coisa é indústria, é business, é negócio. Mas em tempos de pós-modernismo, quando se individualizar é uma questão essencial, novos criadores jogam no corpo de modelos cheias de atitude suas idéias, seus sofrimentos e suas percepções do mundo, buscando o único no meio de um mundo onde peças em série comandam o mercado.

A moda, por definição, está vinculada à adesão da coletividade e tem que ter uma repercussão. É a tendência de consumo da atualidade, composta de diversos estilos que podem ter sido influenciados sob vários aspectos. Ela caminha conosco pelas ruas, tem o poder de ver e ser vista pelas massas, até mesmo de doutrinar, e a facilidade de difundir agilmente uma idéia.

Comumente, o estudo da indumentária e da moda foi – e ainda é, compreendido somente por meio de uma abordagem icástica e, portanto relegado à perspectiva da pura questão estética, quase uma encenação que se estabelece por afinidade de gosto entre quem a cria e quem dela usufrui. Não se pode pensá-la apenas em termos de intuição e de recepção de um conceito estilístico, mas se deve colocar o objeto da moda no âmbito de uma série de fenômenos culturais, produtivos, midiáticos e de consumo que permite a sua criação e afirmação.

Além dos puros critérios estilísticos, a moda baseia-se em precisos parâmetros de gostos e consumos, em sofisticados procedimentos e estratégias empresariais, comerciais e de imagem, em profundo conhecimento das transformações e das tendências culturais e sociais em curso. A moda, quando tratada dessa forma, “revela-se menos fortuita do que podia parecer”, colocando em evidência uma série de problemas que se inserem em uma perspectiva econômica, social e antropológica, na qual o passado e suas culturas não são repetidamente expulsos e apagados de maneira definitiva.

Como Lipovetsky afirma em seu livro ‘O Império do Efêmero’, “a questão da moda não faz furor no mundo intelectual. Trata-se de uma questão superficial que desencoraja a abordagem conceitual, pois suscita o reflexo crítico antes do estudo objetivo. Porque é evocada principalmente para ser fustigada, para marcar sua distância, para deplorar o embotamento dos homens e o vício dos negócios: a moda é sempre os outros. Somos superinformados em crônicas jornalísticas, subdesenvolvidos em matéria e compreensão histórica e social do fenômeno.” Moda e arte são linguagens que se interagem, que dialogam entre si e juntas elas ganham o poder de expressar ideologias ou questionamentos, e ao mesmo tempo de educar e difundir idéias.

A partir do século XX a condição moda-arte se fortaleceu, com artistas como Salvador Dali, Lygia Clark, Helio Oiticica que criavam obras para serem vestidas, vendo o corpo como a moldura mais verdadeira para uma peça. Estilistas como Elsa Schiaparelli tinham criações inusitadas como o chapéu sapato e seus vestidos de estampas irreais ou em patchwork, Yves Saint-Laurent se inspirava em Mondrian, Picasso e Van Gogh. Hoje preocupados com a degradação ambiental e a questão da sustentabilidade, diversos artistas e estilistas vêem a ‘moda-arte’ como uma oportunidade de conscientização e também de buscar novas alternativas mais sustentáveis para a construção de uma roupa.


“A moda tem o poder de exposição que nenhuma outra linguagem possui, unindo-se à arte ela ganha a liberdade e um poder quase infinito.”
Lia Spínola






Erick R.

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